bacanérrimo
Eu gosto da palavra bacanérrimo desde a primeira vez que ouvi. Desde então, uso mesmo. Sinceramente, este foi o único critério para escolher o nome do meu blog. Gosto de escrever mas tenho vergonha de mostrar o que escrevo. Então decidi ficar escondida atrás de uma URL simpática. E esperar que alguma coisa que eu escreva aqui vire spam e chegue um dia por e-mail, como se fosse um texto do Luiz Fernando Veríssimo. Ui, seria a glória.
28 de jun. de 2017
Tutorial para fotografar um pôr do sol na praia.
Pôr do sol é lindo até no lugar mais feio do mundo. Tenho certeza que você poderia ver fotos incríveis de urubus num lixão ao pôr do sol, populares na Avenida Santo Amaro ao pôr do sol. Lindo.
Mas foto de pôr do sol é cafona. Sempre será. Isso é um fato. É o equivalente a usar botas brancas do mundo fotográfico. A gente sabe disso mas nem eu nem ninguém vai conseguir segurar nosso ímpeto de fotografá-lo, certo? Então cola aqui que eu vou dar algumas dicas sobre o que aprendi desde que vim morar na praia e tenho me dedicado a observar o fenômeno diariamente.
Primeira coisa: tenha em mente que o pôr do sol dura bem poucos minutos. Não sei poucos quantos porque varia de acordo com a estação do ano e com a sua localização. Então programe-se para estar no lugar certo, na hora certa ou você simplesmente vai perder e ter que voltar amanhã.
Considerando essa coisa do tempo, primeiro veja o pôr do sol e só depois poste as fotos cafonas que você vai tirar. Contenha o ímpeto de escrever “Mais um dia no escritório” ou “Começando os trabalhos” (segurando uma cerveja) porque, além de tornar tudo ainda mais cliché do que já é, você vai estar perdendo uma grande parte daqueles poucos minutos olhando para a tela do celular e esperando o 4G funcionar, em vez de apreciar a lindeza.
Antes do sol descer pela linha do horizonte, existe uma luz única e fodástica para fazer fotos. Então em vez de ficar olhando para a luz do sol diretamente, coisa que sua avó já cansou de dizer que pode até te deixar cego, aproveite para fotografar quem estiver com você com essa luz. Fica lindo e dispensa o tanto de filtros que você costuma colocar para deixar a pele boa.
Faça várias fotos na sequência e perceba como 15, 30 segundos fazem diferença na luz. Mas não fique só fotografando. Fique só olhando também. Porque nenhum pôr do sol é igual ao outro. Este que você está vendo hoje vai ser bem diferente do de amanhã. O que você está vendo também é diferente do que sai na foto. As nuvens estarão em outros lugares, o barquinho ou os pássaros vão passar de outro jeito. Vai por mim. Pôr do sol é tipo a impressão digital do dia (isso foi moooooito cafona também).
Pronto. Ele se foi. Desceu a linha, arrancou aplausos dos maconheiros. Agora observe quem mais se vai. Quase todo mundo começa a picar a mula, sair da praia, tomar seu rumo assim que o sol some. Mas você, não ouse. Fique aí mais um pouco porque um tempinho depois, tempinho que eu também não sei precisar exatamente qual, mas o suficiente para o povo sair e a praia ficar mais deserta, vai começar a se abrir o portal. Os maconheiros já foram mas eu posso afirmar que existe um portal bem nessa hora. O céu fica milhões de vezes mais lindo. Tudo vai ficando rosa-alaranjado-pastel. Tudo mesmo. As nuvens, o reflexo delas no mar, o tom de pele do surfista gato. Normalmente só quem fica para ver essa parte são os pós-graduados em pôr do sol. Se liga nos pescadores: todos lá. E o negócio fica tão, mas tão lindo que até eles que nasceram na praia catam o celular e tiram foto.
Aí, quando você pensar que era isso, levanta, sacode a canga e começa a dar tapinhas na bunda para tirar a areia do short, você tem que fazer o seguinte: olha um pouco mais para cima e veja quem chegou. A lua, meu rei. Como se não bastasse a explosão cor de rosa ao seu redor, a lua já está ali, ligadona, brilhando. Mas um brilho que ainda não aparece direito na foto. Então, nem perca seu tempo tentando dar zoom e fotografar a lua, que isso não funciona nunca. Nem no lusco-fusco, nem à noite, nem com dica. A gente veio aqui para falar de sol. Quer fotografar a lua, procure outra pessoa para te ajudar. Porque eu posso ser cafona mas não sou besta.
6 de jun. de 2017
Exumação de amizade
Ajudar a encontrar pessoas que você não vê há um tempão é uma das melhores partes das redes sociais. Mas também um dos maiores desserviços que elas trouxeram. Antes tudo era mais simples: você tinha amigos de infância, de escola, de faculdade, do trabalho, a vida andava, alguns permaneciam e a tropa ficava para trás. Evaporava da sua memória e abria espaço para ocorrências mais relevantes. Você até lembrava às vezes daquele cara engraçado da sua sala, ficava sabendo num churrasco por onde anda aquela colega de trabalho. Mas a nostalgia estava muito mais para curiosidade do que para saudade. O tempo tinha uma espécie de sabedoria aleatória que simplesmente expelia essa turma da linha da sua vida, sem que você precisasse escolher quem. Só acontecia.
Agora não tem mais essa. Um dia chega um convite na sua rede social. Pelo nome, você não sabe quem é. Precisa clicar, ver fotos, dar zoom para trazer o ser que tinha ficado lá longe. Dois ou três amigos em comum são o único indício de que você um dia conheceu aquela pessoa. Às vezes ela nem mudou tanto assim mas sua memória seletiva tinha feito esse favor para você. A educação manda você aceitar o convite. E, a partir daí, tudo o que o algorítimo te obriga a ver só confirma que a criatura deveria ter ficado lá mesmo onde estava. Você tenta deixar aquele campo infértil ali, sem interagir, sem se manifestar. Mas um dia a oferenda que Iemanjá devolveu decide expressar seu desagrado sobre algo que você postou. Você responde ao que claramente foi uma provocação, mas tudo bem, você bem que gosta de provocações e de opiniões diferentes. O ente não querido não entende sua resposta. Você precisa esclarecer que estava sendo irônica. Com preguiça. Contrariada. Porque precisar explicar ironia, convenhamos. Entre esta amizade e a piada, você não tem a menor dúvida do que prefere perder. Mas o organismo que nem deveria mais constar não entende de novo. Você tenta outra vez e, sabe o que mais? Chega de redes sociais.
Dias depois você faz um novo login e vê que o indivíduo dos confins ainda tentou continuar a discussão que você não precisava ter. O jeito é não mover um músculo e torcer para que seja um fato isolado. Mas o que nunca fez falta volta e faz você passar por aborrecimentos que, pela ordem natural das coisas, tinha tudo para evitar.
Deixar gente que você mal lembra para lá. Eu gostaria de ter esse simples direito de volta.
Agora não tem mais essa. Um dia chega um convite na sua rede social. Pelo nome, você não sabe quem é. Precisa clicar, ver fotos, dar zoom para trazer o ser que tinha ficado lá longe. Dois ou três amigos em comum são o único indício de que você um dia conheceu aquela pessoa. Às vezes ela nem mudou tanto assim mas sua memória seletiva tinha feito esse favor para você. A educação manda você aceitar o convite. E, a partir daí, tudo o que o algorítimo te obriga a ver só confirma que a criatura deveria ter ficado lá mesmo onde estava. Você tenta deixar aquele campo infértil ali, sem interagir, sem se manifestar. Mas um dia a oferenda que Iemanjá devolveu decide expressar seu desagrado sobre algo que você postou. Você responde ao que claramente foi uma provocação, mas tudo bem, você bem que gosta de provocações e de opiniões diferentes. O ente não querido não entende sua resposta. Você precisa esclarecer que estava sendo irônica. Com preguiça. Contrariada. Porque precisar explicar ironia, convenhamos. Entre esta amizade e a piada, você não tem a menor dúvida do que prefere perder. Mas o organismo que nem deveria mais constar não entende de novo. Você tenta outra vez e, sabe o que mais? Chega de redes sociais.
Dias depois você faz um novo login e vê que o indivíduo dos confins ainda tentou continuar a discussão que você não precisava ter. O jeito é não mover um músculo e torcer para que seja um fato isolado. Mas o que nunca fez falta volta e faz você passar por aborrecimentos que, pela ordem natural das coisas, tinha tudo para evitar.
Deixar gente que você mal lembra para lá. Eu gostaria de ter esse simples direito de volta.
18 de jan. de 2017
Era mais fácil nos anos 80
Depois de passar os olhos pelo Canal Viva, não pude deixar de pensar no seguinte diálogo. Telefone toca, Kid Vinil atende.
- Kid Vinil?
- Sim, quem é?
- Você não me conhece. Eu estou selecionando algumas músicas para a trilha sonora da nova novela das 6 na Globo. Está faltando alguma coisa marcante para a abertura e pensamos em encomendar esse tema para a sua banda Magazine.
- Sei... E qual é o nome da novela?
- A Gata Comeu.
- Beleza. Você precisa para quando?
- Ah, você sabe... O mais rápido possível. Quer que eu conte um pouco da trama para você se inspirar?
- Não, não precisa. É “A Gata Comeu”, né?
- Isso.
- Ok. A gente liga para você quando estiver pronta. Abraço.
Kid desliga o telefone, pega o Dicionário Aurélio de capa dura na estante. Abre na página 350. Procura a palavra Comer. Coloca um papel na máquina e escreve:
Ela comeu meu coração / Trincou, mordeu, mastigou, engoliu, comeu... comeu / Ela comeu meu coração / Marcou, moeu, triturou, deglutiu, comeu... comeu...
Dias depois, passa na emissora para retirar seu cheque nominal. Fim.
- Kid Vinil?
- Sim, quem é?
- Você não me conhece. Eu estou selecionando algumas músicas para a trilha sonora da nova novela das 6 na Globo. Está faltando alguma coisa marcante para a abertura e pensamos em encomendar esse tema para a sua banda Magazine.
- Sei... E qual é o nome da novela?
- A Gata Comeu.
- Beleza. Você precisa para quando?
- Ah, você sabe... O mais rápido possível. Quer que eu conte um pouco da trama para você se inspirar?
- Não, não precisa. É “A Gata Comeu”, né?
- Isso.
- Ok. A gente liga para você quando estiver pronta. Abraço.
Kid desliga o telefone, pega o Dicionário Aurélio de capa dura na estante. Abre na página 350. Procura a palavra Comer. Coloca um papel na máquina e escreve:
Ela comeu meu coração / Trincou, mordeu, mastigou, engoliu, comeu... comeu / Ela comeu meu coração / Marcou, moeu, triturou, deglutiu, comeu... comeu...
Dias depois, passa na emissora para retirar seu cheque nominal. Fim.
12 de set. de 2016
Silvio Santos está com AIDS
Podem contar isso por aí. Falem para a família, para os amigos, espalhem que me acharam abatido, que me viram tomando muitos comprimidos e que eu admiti, na gravação do meu programa, que estou com AIDS.
(silêncio)
Assim ninguém vai querer comer a minha mulher.
(gargalhadas)
Foi com essa e outras piadas de tiozão que ele quebrou o gelo com o auditório, minutos antes de começar a gravar o programa, por volta das 11 da manhã, no estúdio 3 do SBT. Quebrar o gelo era necessário porque as caravanas chegaram 4 horas antes e a espera só faz a ansiedade aumentar.
Comecei a fazer minhas primeiras anotações às 7 e meia da manhã do dia 12 de setembro de 2015. A sala lotada de mulheres (apenas mulheres) alvoroçadas, tirando fotos, escovando os cabelos, retocando a maquilagem e comendo o lanche ultra reforçado que recebemos na entrada. Pela quantidade de comida dava para ver que ia demorar, então achei melhor ir anotando.
Não existe mulher feia. Existe mulher que não conhece os produtos Jequiti. Isso escrito numa cartolina branca colada na parede e a mistura de dezenas de perfumes muito doces no ar, mostravam que a maioria ali já conhecia e usava o perfume das estrelas. E o desconforto com tanto perfume me mostrava que aquilo era real, eu estava mesmo lá, não era só um sonho estranho.
Uma pessoa da agência de publicidade em que eu trabalhava combinou minha ida com alguém do SBT. Mas em vez de ficar esperando nos bastidores, meu objetivo era entrar com as caravanas e fazer amigas. Contei logo para a mais falante das redondezas que era a primeira vez que eu vinha a um programa de TV. “Que sortuda você é. Seu primeiro programa foi logo o do Silvio. É o melhor programa do Brasil e eu digo porque já fui a todos. O SBT é minha segunda casa. E já vou te dar uma dica de veterana: quando ele lançar o aviãozinho de dinheiro, se joga. Nas primeiras vezes a gente tem vergonha e não brinca. Mas sair daqui sem nada, ninguém merece”. Todas concordam e mostram que não existe a possibilidade de saírem dali sem algum dinheiro. Quando me perguntam de que caravana eu venho, invento rápido que uma amiga trabalha no SBT e colocou meu nome na lista de convidados. Uma delas diz: que chique! Eu, me desculpando pelo privilégio, digo: chique nada... Ela me interrompe: Você, não. Sua amiga é chique. Ela trabalha no SBT. (Juro que tomei este “prestenção”)
Quase 200 mulheres tinham que passar pela maquilagem e pelo cabeleireiro antes de ir para o estúdio. A maioria não via a hora de fazer a make e realçar o cabelão. Uma pessoa avisa pelo microfone: quem quiser topete, é só pedir, bico de pato e presilha não são permitidos porque vocês podem se machucar. Muitas fazem cara de que é claro que vão querer topete. Quando chega a minha vez, vejo com receio a biba colocando uma mão cheia de mousse no cabelo da senhora ao lado. Decido perguntar baixinho: posso não fazer nada no meu? Ela responde mais baixinho ainda, quase sem mexer a boca: pode mas deixa eu fingir que vou fazer alguma coisa. Então eu percebi que aquilo era uma maneira muito gente boa de fazer com que ninguém ficasse menos arrumada ou penteada na plateia. Quando voltei para as minhas amigas escovadas, com topetes e laquê, uma delas notou: você não fez nada no seu cabelo? Eu, de novo sendo a simplona, falei que no cabelo cacheado não tinha muito o que fazer. Ela respondeu: Verdade. Esse seu cabelo é dureza. (Sim, tomei de novo)
Todo mundo entra com o nome visível num crachá para facilitar a vida do Silvio. A moça do microfone chama por ordem alfabética e a pessoa vai buscar o seu. Eu era a única Flavia mas a letra J deu uma empacada: Jecica com C. Jessica com 2 ésses. Jesycah com Y e H no final. Jessika com K.
Lá estava eu, identificada, simplona, da turma, discreta, mas com intenções ambiciosas para aquele evento: não saio daqui sem uma foto com o Silvio, vou trocar ideia, ser participativa, adivinhar a música, falar algo espirituoso no microfone, catar aviãozinho de dinheiro e depois colocar numa moldura. Acontece que, a partir do momento em que nós fomos instruídas a sacudir nosso pompom colorido e gritar Silvio, Silvio, Silvio (nenhuma palavra a mais e sem bater os pés no chão), eu simplesmente travei. Vamos sorrir e cantar? Bem que eu gostaria, mas Silvio Santos entrou, eu comecei a rir de nervosa e não parei mais. Gente, como ele está velhinho. Claro que isso é peruca. De cabelo de nylon, de boneca. Quanta maquilagem. A gravata tem glitter. Nada disso se nota na TV. É tudo cenográfico. A câmera liga e o personagem vem com tudo, animado, safado, rindo sem parar. Quando corta, Abravanel fica sério, concentrado e faz um movimento repetitivo com a boca, como se mastigasse a dentadura. Certeza de que eu também estava mastigando a dentadura de tão passada que fiquei. Não vou conseguir fazer nada do que imaginei. Ferrou. O negócio é olhar para tudo, testemunhar aquelas pessoas voadoras, caindo umas sobre as outras por uma nota de vintão. E rir até a parte de trás da cabeça começar a doer.
O cara brilha sem parar, tira sarro das duas misses gaúchas convidadas sem que elas percebam. Faz comentários sedutores para as mais decotadas da plateia. Lê em voz alta um cartaz que diz: SE O SEU SOBRENOME É PINTO, NÃO COLOQUE O NOME ISADORA NA SUA FILHA. Ele ri alto. Eu também. Poderia dizer que foi só alegria mas o que realmente chama a atenção é a gentileza. A produção consegue deixar todo mundo muito à vontade e muito feliz de um jeito competente e muito simples. Por algumas horas, o SBT é mesmo a segunda casa delas. O programa não é um sucesso há 53 anos por isso. Mas tenho certeza que isso faz parte da fórmula.
Quando tudo indica que acabou, Silvio já saiu, outra pessoa da produção pergunta se alguém tem alguma nota rasgada? Claro que sim, muitas delas levantam o braço porque disputaram aquelas notas até as últimas consequências, até desfazer os topetes. Então a produtora explica onde elas passam para trocar suas notas picadas por outra inteira. Aos poucos todo mundo vai embora e eu fico sentada, ainda anotando coisas. Peço ajuda para chamar um táxi mas o guardinha me arranja prontamente uma carona no fretado dos funcionários até a estação Barra Funda. Fofo. Tudo.
Fui ao programa há exatamente 1 ano. Queria ter escrito logo depois. Terminaria o texto dizendo que, depois disso, achava que já tinha feito tudo o que queria em São Paulo. Claro que era brincadeira mas, dois meses depois, começou o movimento que me fez mudar para Florianópolis. O final de um ciclo de 15 anos marcado por Silvio Santos é muito a minha cara.
(silêncio)
Assim ninguém vai querer comer a minha mulher.
(gargalhadas)
Foi com essa e outras piadas de tiozão que ele quebrou o gelo com o auditório, minutos antes de começar a gravar o programa, por volta das 11 da manhã, no estúdio 3 do SBT. Quebrar o gelo era necessário porque as caravanas chegaram 4 horas antes e a espera só faz a ansiedade aumentar.
Comecei a fazer minhas primeiras anotações às 7 e meia da manhã do dia 12 de setembro de 2015. A sala lotada de mulheres (apenas mulheres) alvoroçadas, tirando fotos, escovando os cabelos, retocando a maquilagem e comendo o lanche ultra reforçado que recebemos na entrada. Pela quantidade de comida dava para ver que ia demorar, então achei melhor ir anotando.
Não existe mulher feia. Existe mulher que não conhece os produtos Jequiti. Isso escrito numa cartolina branca colada na parede e a mistura de dezenas de perfumes muito doces no ar, mostravam que a maioria ali já conhecia e usava o perfume das estrelas. E o desconforto com tanto perfume me mostrava que aquilo era real, eu estava mesmo lá, não era só um sonho estranho.
Uma pessoa da agência de publicidade em que eu trabalhava combinou minha ida com alguém do SBT. Mas em vez de ficar esperando nos bastidores, meu objetivo era entrar com as caravanas e fazer amigas. Contei logo para a mais falante das redondezas que era a primeira vez que eu vinha a um programa de TV. “Que sortuda você é. Seu primeiro programa foi logo o do Silvio. É o melhor programa do Brasil e eu digo porque já fui a todos. O SBT é minha segunda casa. E já vou te dar uma dica de veterana: quando ele lançar o aviãozinho de dinheiro, se joga. Nas primeiras vezes a gente tem vergonha e não brinca. Mas sair daqui sem nada, ninguém merece”. Todas concordam e mostram que não existe a possibilidade de saírem dali sem algum dinheiro. Quando me perguntam de que caravana eu venho, invento rápido que uma amiga trabalha no SBT e colocou meu nome na lista de convidados. Uma delas diz: que chique! Eu, me desculpando pelo privilégio, digo: chique nada... Ela me interrompe: Você, não. Sua amiga é chique. Ela trabalha no SBT. (Juro que tomei este “prestenção”)
Quase 200 mulheres tinham que passar pela maquilagem e pelo cabeleireiro antes de ir para o estúdio. A maioria não via a hora de fazer a make e realçar o cabelão. Uma pessoa avisa pelo microfone: quem quiser topete, é só pedir, bico de pato e presilha não são permitidos porque vocês podem se machucar. Muitas fazem cara de que é claro que vão querer topete. Quando chega a minha vez, vejo com receio a biba colocando uma mão cheia de mousse no cabelo da senhora ao lado. Decido perguntar baixinho: posso não fazer nada no meu? Ela responde mais baixinho ainda, quase sem mexer a boca: pode mas deixa eu fingir que vou fazer alguma coisa. Então eu percebi que aquilo era uma maneira muito gente boa de fazer com que ninguém ficasse menos arrumada ou penteada na plateia. Quando voltei para as minhas amigas escovadas, com topetes e laquê, uma delas notou: você não fez nada no seu cabelo? Eu, de novo sendo a simplona, falei que no cabelo cacheado não tinha muito o que fazer. Ela respondeu: Verdade. Esse seu cabelo é dureza. (Sim, tomei de novo)
Todo mundo entra com o nome visível num crachá para facilitar a vida do Silvio. A moça do microfone chama por ordem alfabética e a pessoa vai buscar o seu. Eu era a única Flavia mas a letra J deu uma empacada: Jecica com C. Jessica com 2 ésses. Jesycah com Y e H no final. Jessika com K.
Lá estava eu, identificada, simplona, da turma, discreta, mas com intenções ambiciosas para aquele evento: não saio daqui sem uma foto com o Silvio, vou trocar ideia, ser participativa, adivinhar a música, falar algo espirituoso no microfone, catar aviãozinho de dinheiro e depois colocar numa moldura. Acontece que, a partir do momento em que nós fomos instruídas a sacudir nosso pompom colorido e gritar Silvio, Silvio, Silvio (nenhuma palavra a mais e sem bater os pés no chão), eu simplesmente travei. Vamos sorrir e cantar? Bem que eu gostaria, mas Silvio Santos entrou, eu comecei a rir de nervosa e não parei mais. Gente, como ele está velhinho. Claro que isso é peruca. De cabelo de nylon, de boneca. Quanta maquilagem. A gravata tem glitter. Nada disso se nota na TV. É tudo cenográfico. A câmera liga e o personagem vem com tudo, animado, safado, rindo sem parar. Quando corta, Abravanel fica sério, concentrado e faz um movimento repetitivo com a boca, como se mastigasse a dentadura. Certeza de que eu também estava mastigando a dentadura de tão passada que fiquei. Não vou conseguir fazer nada do que imaginei. Ferrou. O negócio é olhar para tudo, testemunhar aquelas pessoas voadoras, caindo umas sobre as outras por uma nota de vintão. E rir até a parte de trás da cabeça começar a doer.
O cara brilha sem parar, tira sarro das duas misses gaúchas convidadas sem que elas percebam. Faz comentários sedutores para as mais decotadas da plateia. Lê em voz alta um cartaz que diz: SE O SEU SOBRENOME É PINTO, NÃO COLOQUE O NOME ISADORA NA SUA FILHA. Ele ri alto. Eu também. Poderia dizer que foi só alegria mas o que realmente chama a atenção é a gentileza. A produção consegue deixar todo mundo muito à vontade e muito feliz de um jeito competente e muito simples. Por algumas horas, o SBT é mesmo a segunda casa delas. O programa não é um sucesso há 53 anos por isso. Mas tenho certeza que isso faz parte da fórmula.
Quando tudo indica que acabou, Silvio já saiu, outra pessoa da produção pergunta se alguém tem alguma nota rasgada? Claro que sim, muitas delas levantam o braço porque disputaram aquelas notas até as últimas consequências, até desfazer os topetes. Então a produtora explica onde elas passam para trocar suas notas picadas por outra inteira. Aos poucos todo mundo vai embora e eu fico sentada, ainda anotando coisas. Peço ajuda para chamar um táxi mas o guardinha me arranja prontamente uma carona no fretado dos funcionários até a estação Barra Funda. Fofo. Tudo.
Fui ao programa há exatamente 1 ano. Queria ter escrito logo depois. Terminaria o texto dizendo que, depois disso, achava que já tinha feito tudo o que queria em São Paulo. Claro que era brincadeira mas, dois meses depois, começou o movimento que me fez mudar para Florianópolis. O final de um ciclo de 15 anos marcado por Silvio Santos é muito a minha cara.
6 de mai. de 2016
Timing é tudo
Estavam no auge da paixão quando decidiram fazer uma reforma na casa. Construir um recanto aberto mas, ao mesmo tempo, reservado, com uma jacuzzi enorme. Estavam pensando em safadeza, claro. E já que vai ter obra, vamos fazer um negócio “profi”. Contrataram uma arquiteta badalada, viram que ia sair caro mas que ia ficar tão bom que as revistas de decoração fariam fila para fotografar. Investiram uma grana preta mas, mesmo assim, a obra teve que ser feita por partes. Primeiro o piso XPTO, depois o teto retrátil, o pergolado, a parede com paisagismo, tudo de super bom gosto. Demorou muito mais do que eles gostariam. A ponto dos filhos pequenos crescerem, de um deles ter problemas com crack e causar uma angústia tão grande que acabou por desgastar até a relação do casal. Estavam tratando do divórcio e de todas as raivas, mágoas e chateações envolvidas nessa parte quando chegou o caminhão para fazer a entrega da Jacuzzi gigante.
A parte mais importante da reforma dos sonhos chegou quando já não fazia mais o menor sentido.
Tudo isso foi uma metáfora.
Sobre o Brasil conquistando, em 2009, a honra de sediar as Olimpíadas. Sobre o tempo passando e tudo o que sabemos que aconteceu, acontecendo. Sobre a pobre tocha, que chegou justo no momento mais lamentável.
A parte mais importante da reforma dos sonhos chegou quando já não fazia mais o menor sentido.
Tudo isso foi uma metáfora.
Sobre o Brasil conquistando, em 2009, a honra de sediar as Olimpíadas. Sobre o tempo passando e tudo o que sabemos que aconteceu, acontecendo. Sobre a pobre tocha, que chegou justo no momento mais lamentável.
5 de jul. de 2015
O Cabelo
Outro dia fiquei sabendo que a personagem da Adriana Esteves na novela Babilônia tem uma fixação pela personagem da Glória Pires. A ponto de fazer uma transformação para ficar fisicamente parecida com ela.
Desde então fico pensando no tamanho do desafio na carreira de Adriana. Porque parecer a Glória Pires pressupõe que você tenha que tentar ter O Cabelo Da Glória Pires. Atente-se para o uso do verbo tentar.
O Cabelo Da Glória Pires é uma instituição, uma categoria que está no topo da cadeia alimentar dos cabelos, o máximo que um ser vivo pode alcançar em termos capilares. Desde que ela apareceu em Dancin’ Days, em 1978, aquele cabelo passou a ser uma referência, obviamente inalcançável, na minha cabeça. A não ser que você seja filha da Glória Pires ou tenha uma árvore genealógica muito semelhante, lamento, mas aquele cabelo preto, liso, brilhante e pesado não vai acontecer para você. Nem para a Adriana Esteves, nem se ela contar com a ajuda dos cabeleireiros mais fantásticos da Via Láctea.
Se eu fosse roteirista desta novela, pensaria num outro tipo de fixação e pouparia a excelente atriz Adriana Esteves de tentar fazer um corte de cabelo “igual” ao Da Glória Pires e ficar com aquele capacetão com que ela se encontra.
Marion Cotillard teve facilidade para se caracterizar e parecer Édith Piaf mesmo sendo 20cm mais alta. Jamie Foxx literalmente se transformou no Ray Charles. Não vamos tão longe: Daniel de Oliveira chegou a ficar estranho de tão parecido com Cazuza. Mas nenhuma atriz que me ocorra vai conseguir interpretar O Cabelo Da Glória Pires sem parecer um Playmobil. Vamos apenas aceitar os fatos.
Desde então fico pensando no tamanho do desafio na carreira de Adriana. Porque parecer a Glória Pires pressupõe que você tenha que tentar ter O Cabelo Da Glória Pires. Atente-se para o uso do verbo tentar.
O Cabelo Da Glória Pires é uma instituição, uma categoria que está no topo da cadeia alimentar dos cabelos, o máximo que um ser vivo pode alcançar em termos capilares. Desde que ela apareceu em Dancin’ Days, em 1978, aquele cabelo passou a ser uma referência, obviamente inalcançável, na minha cabeça. A não ser que você seja filha da Glória Pires ou tenha uma árvore genealógica muito semelhante, lamento, mas aquele cabelo preto, liso, brilhante e pesado não vai acontecer para você. Nem para a Adriana Esteves, nem se ela contar com a ajuda dos cabeleireiros mais fantásticos da Via Láctea.
Se eu fosse roteirista desta novela, pensaria num outro tipo de fixação e pouparia a excelente atriz Adriana Esteves de tentar fazer um corte de cabelo “igual” ao Da Glória Pires e ficar com aquele capacetão com que ela se encontra.
Marion Cotillard teve facilidade para se caracterizar e parecer Édith Piaf mesmo sendo 20cm mais alta. Jamie Foxx literalmente se transformou no Ray Charles. Não vamos tão longe: Daniel de Oliveira chegou a ficar estranho de tão parecido com Cazuza. Mas nenhuma atriz que me ocorra vai conseguir interpretar O Cabelo Da Glória Pires sem parecer um Playmobil. Vamos apenas aceitar os fatos.
6 de mai. de 2015
Trabalho dos sonhos
Cheguei ao consultório do cirurgião plástico em cima da hora. Notei que a sala de espera tinha 6 sofás. Muito, se comparados às 2 ou 3 poltroninhas que a gente normalmente vê em outros médicos. Mas antes de começar a refletir sobre a crescente indústria da cirurgia plástica e a obsessão das pessoas pela eterna juventude, fui chamada pela secretária. Era minha vez, sem atrasos. Profissa.
Fui recebida por um sorriso branquíssimo que quase ofuscou a inegável simpatia do cirurgião. Mas logo reparei que, enquanto falava comigo, ele olhava fixamente para um ponto. Ou melhor: para a ponta do meu nariz.
Era como se, no meio do meu rosto, houvesse uma verruga gigante, preta, volumosa, peluda e falante. E digo isso porque quando uma dessas aparece na minha frente, eu mesma não consigo desviar os olhos por nada. Eu tentava mudar o foco, contava que a Fulana me indicou mas tenho certeza de que ele nem ouvia. Estava hipnotizado pelo meu nariz exótico e avantajado, fazia traços pontilhados e imaginários sobre ele, queria mudar tudo, que eu sei.
Nem vem que não tem. Como é que eu poderia abrir mão de uma parte tão grande do meu rosto? Eu simplesmente não seria eu sem o nariz fino, pontudo e com calombinho. Não nasci com ele exatamente assim mas, desde que estética começou a ter importância na minha vida, tive que aceitá-lo. Entender que ele me dá personalidade. E que na falta daquela beleza, beleza, beleeeeeza, personalidade é importante para dedéu. Depois de tudo o que eu passei para aceitar minha napa assim como ela é, o cara acha que vou me acovardar e resolver tudo com umas marteladas e passadas de bisturi? Never.
Tratei de explicar logo e sem dó que estava ali para reconstruir o ló-bu-lo-da-o-re-lha, que se rompeu pelo excesso de brincos grandes e pesados que usei a vida toda. Mas de grande e pesado ele só via meu nariz. Claro que não ousou sugerir que eu me detivesse no ponto equidistante entre os lóbulos das duas orelhas, que isso seria uma indelicadeza de se fazer. Mas sei que ficou decepcionado quando viu meu lóbulo tão pequeno, com um rasgo insignificante diante de todo o universo nasal a ser explorado.
A anestesia é local, né? Vai que eu apago Rossy de Palma e acordo Danielle Winits.
Enfim, “cirurgia” feita, trabalho perfeito, lóbulo reconstruído, efeito da anestesia passou e nem senti dor. Acho até que vou dormir bem. Já ele, coitado, vai sonhar.
*Lá em cima, Desenho da cabeça humana by Leonardo da Vinci.
Fui recebida por um sorriso branquíssimo que quase ofuscou a inegável simpatia do cirurgião. Mas logo reparei que, enquanto falava comigo, ele olhava fixamente para um ponto. Ou melhor: para a ponta do meu nariz.
Era como se, no meio do meu rosto, houvesse uma verruga gigante, preta, volumosa, peluda e falante. E digo isso porque quando uma dessas aparece na minha frente, eu mesma não consigo desviar os olhos por nada. Eu tentava mudar o foco, contava que a Fulana me indicou mas tenho certeza de que ele nem ouvia. Estava hipnotizado pelo meu nariz exótico e avantajado, fazia traços pontilhados e imaginários sobre ele, queria mudar tudo, que eu sei.
Nem vem que não tem. Como é que eu poderia abrir mão de uma parte tão grande do meu rosto? Eu simplesmente não seria eu sem o nariz fino, pontudo e com calombinho. Não nasci com ele exatamente assim mas, desde que estética começou a ter importância na minha vida, tive que aceitá-lo. Entender que ele me dá personalidade. E que na falta daquela beleza, beleza, beleeeeeza, personalidade é importante para dedéu. Depois de tudo o que eu passei para aceitar minha napa assim como ela é, o cara acha que vou me acovardar e resolver tudo com umas marteladas e passadas de bisturi? Never.
Tratei de explicar logo e sem dó que estava ali para reconstruir o ló-bu-lo-da-o-re-lha, que se rompeu pelo excesso de brincos grandes e pesados que usei a vida toda. Mas de grande e pesado ele só via meu nariz. Claro que não ousou sugerir que eu me detivesse no ponto equidistante entre os lóbulos das duas orelhas, que isso seria uma indelicadeza de se fazer. Mas sei que ficou decepcionado quando viu meu lóbulo tão pequeno, com um rasgo insignificante diante de todo o universo nasal a ser explorado.
A anestesia é local, né? Vai que eu apago Rossy de Palma e acordo Danielle Winits.
Enfim, “cirurgia” feita, trabalho perfeito, lóbulo reconstruído, efeito da anestesia passou e nem senti dor. Acho até que vou dormir bem. Já ele, coitado, vai sonhar.
*Lá em cima, Desenho da cabeça humana by Leonardo da Vinci.
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