28 de set. de 2007

Eu não joguei pedra na cruz

Eu não joguei pedra na cruz. Fiz coisa muito pior.
Foi no reveillon de 2004, na Praia do Forte, Bahia. Eu e um amigo alugamos uma casa tu-do e passamos uma semaninha para lá de agradável encarando a balada dos locais. No caso, os locais eram pescadores que tinham hábitos ingênuos como construir um presépio ecológico com menino Jesus, reis magos, pingüim de geladeira, jibóia e tartaruga (por causa do projeto TAMAR). Mas tinham outros hábitos bem menos ingênuos como dançar o arrocha. Arrocha, para quem não sabe, é uma dança que mais parece um ritual de acasalamento. E uma vez que você entra num lugar onde se dança arrocha, invariavelmente alguém vai te chamar e você vai participar do tal ritual. Mas antes que você pense que o que eu fiz de errado foi participar de um bacanal com pescadores, eu insisto: fiz coisa muuuito pior.
Voltando de uma dessas baladas / experiências antropológicas, ao raiar das 6 da matina, eis que eu percebo que a distância que a gente teria de andar até a nossa casa era muito maior do que a minha vontade de fazer xixi poderia suportar. Não tinha mais nenhum botequim aberto, era cedo demais para bater numa casa e pedir clemência. Até que a gente passa pelo presépio ecológico, lindamente ornado no meio de um abrigo feito de folhas de bananeira. Nesse momento eu esqueci de tudo o que a minha avó querida me ensinou sobre religiosidade e respeito à Santíssima Trindade. Nada era mais urgente do que fazer aquele xixi e o abrigo de folhas pareceu mais do que adequado. Avisei meu amigo pra ficar de olho e resolvi meu problema num ambiente protegido. Literalmente.
Então, quando as coisas começam a dar errado na minha vida, acho que sou a única pessoa na face da terra que faz o mea culpa dizendo: eu mijei no presépio.
Isso é muito pior do que jogar pedra na cruz. Porque na cruz, Jesus já tinha seus 33 anos. A mesma idade que eu e tempo suficiente para não ser uma unanimidade, ter seus desafetos. Agora quando ele era só um pequenino bebê indefeso e presenteado por ouro, incenso e mirra, nada justifica alguém chegar e fazer xixi em cima. Acho que só perco para o próprio Herodes. E isso explica tanta coisa.

24 de set. de 2007

Amigo é coisa

Juro que estou escrevendo este texto sem beber nenhum chopp paulista. Mas hoje eu vou falar sobre os meus considerados. Aquela gente fina, elegante e sincera que eu não preciso nem falar o nome, que eles estão carecas de saber. Aqueles que eu tenho o maior prazer de cuidar, de ouvir e de falar. E que tanto cuidam de mim. Quanto mais o tempo passa mais a gente se dá conta de que os amigos são as coisas mais geniais e importantes da vida. É por ter o apoio dos meus que eu sempre achei terapia desnecessária. Embora este possa ser o maior sintoma de que eu precise.
Ser amigo é muito mais legal do que ser parente. É só você reparar na reação das pessoas quando alguém diz que mora com parentes: a gente logo acha que a pessoa está numa fase difícil ou não chegou lá. Agora diga que mora com amigos e já dá para imaginar um lugarzinho cool, com baladas intermináveis e orgias. Mesmo que não seja nada disso.
Amizade é um exercício de humildade. É aceitar o seu amigo com todos os defeitos e diferenças que ele tem. É ter Respeito com “R” maiúsculo por ele. Parece uma responsa enorme, mas quando você é amigo mesmo, faz isso com as mãos nas costas. É o mínimo.
Amizade não é pesada nem obrigatória. Você procura seus amigos porque quer, porque é um prazer e é importante estar com eles. Se não procura, é porque não deu. Eles vão te mandar a merda quando você ligar meses depois, mas o papo continua exatamente de onde parou. Amigo não fica cobrando a sua amizade como um parente cobraria um empréstimo.
Ninguém é besta de achar que vai ter mesmo um milhão de amigos como diz o Rei, nem tem 1.500 como diz o Orkut. Então, meu caro, trate de identificar logo os seus poucos e bons amigos e cuide muito bem deles. Erga um brinde e considere para caralho.

Frase mulherzinha de minha autoria: Amiga é que nem pinça. Você pode ter muitas, mas só uma ou duas são ponta firme.

10 de set. de 2007

Infância pobre

Um amigo tem uma frase que diz que você até pode sair do Belenzinho, mas o Belenzinho nunca vai sair de você. E é a mais pura verdade. A pessoa pode ter sido catapultada ao sucesso mas, mais cedo ou mais tarde, o passado de privações se manifesta, mais forte do que tudo. Não adianta fugir.
Não é a pessoa que não se contém para pegar o último pedaço de pizza, mas a que vê 3 pedaços e pergunta: posso matar? É levar toalhas de papel e garrafas d’água do trabalho pra casa. É estar numa reunião, ver um pote de lápis e não se conter: posso levar um? E leva 4. É não conseguir se desfazer de roupas nem sapatos de anos porque vai que a moda volta? É usar o finalzinho do batom com cotonete. Lavar e reaproveitar o filtro de café. É guardar a barrinha de cereais e o amendoim do avião para mais tarde porque quem guarda tem.
Tirando a pizza e o filtro de café, já fiz todas estas. Mas eu posso porque perdi a catapulta. Agora a melhor é a do meu amigo (não o do Belenzinho) que eu vou chamar carinhosamente de Peter. Ele e uma turma estavam num restaurante e viram que o casal da mesa ao lado foi embora e deixou meia garrafa de vinho na mesa. Nem precisaram fazer votação para decidir pegar a garrafa e dividir irmamente (outro sintoma). Quando estavam fazendo o brinde, o casal volta do banheiro, senta-se à mesa e, bem, aí vieram as desculpas e a frase: pode escolher outro vinho que eu pago. Aproveita e escolhe um mais caro mesmo, que dinheiro não é problema. Problema é o desperdício.