28 de jun. de 2017

Tutorial para fotografar um pôr do sol na praia.


Pôr do sol é lindo até no lugar mais feio do mundo. Tenho certeza que você poderia ver fotos incríveis de urubus num lixão ao pôr do sol, populares na Avenida Santo Amaro ao pôr do sol. Lindo.
Mas foto de pôr do sol é cafona. Sempre será. Isso é um fato. É o equivalente a usar botas brancas do mundo fotográfico. A gente sabe disso mas nem eu nem ninguém vai conseguir segurar nosso ímpeto de fotografá-lo, certo? Então cola aqui que eu vou dar algumas dicas sobre o que aprendi desde que vim morar na praia e tenho me dedicado a observar o fenômeno diariamente.
Primeira coisa: tenha em mente que o pôr do sol dura bem poucos minutos. Não sei poucos quantos porque varia de acordo com a estação do ano e com a sua localização. Então programe-se para estar no lugar certo, na hora certa ou você simplesmente vai perder e ter que voltar amanhã.
Considerando essa coisa do tempo, primeiro veja o pôr do sol e só depois poste as fotos cafonas que você vai tirar. Contenha o ímpeto de escrever “Mais um dia no escritório” ou “Começando os trabalhos” (segurando uma cerveja) porque, além de tornar tudo ainda mais cliché do que já é, você vai estar perdendo uma grande parte daqueles poucos minutos olhando para a tela do celular e esperando o 4G funcionar, em vez de apreciar a lindeza.
Antes do sol descer pela linha do horizonte, existe uma luz única e fodástica para fazer fotos. Então em vez de ficar olhando para a luz do sol diretamente, coisa que sua avó já cansou de dizer que pode até te deixar cego, aproveite para fotografar quem estiver com você com essa luz. Fica lindo e dispensa o tanto de filtros que você costuma colocar para deixar a pele boa.
Faça várias fotos na sequência e perceba como 15, 30 segundos fazem diferença na luz. Mas não fique só fotografando. Fique só olhando também. Porque nenhum pôr do sol é igual ao outro. Este que você está vendo hoje vai ser bem diferente do de amanhã. O que você está vendo também é diferente do que sai na foto. As nuvens estarão em outros lugares, o barquinho ou os pássaros vão passar de outro jeito. Vai por mim. Pôr do sol é tipo a impressão digital do dia (isso foi moooooito cafona também).
Pronto. Ele se foi. Desceu a linha, arrancou aplausos dos maconheiros. Agora observe quem mais se vai. Quase todo mundo começa a picar a mula, sair da praia, tomar seu rumo assim que o sol some. Mas você, não ouse. Fique aí mais um pouco porque um tempinho depois, tempinho que eu também não sei precisar exatamente qual, mas o suficiente para o povo sair e a praia ficar mais deserta, vai começar a se abrir o portal. Os maconheiros já foram mas eu posso afirmar que existe um portal bem nessa hora. O céu fica milhões de vezes mais lindo. Tudo vai ficando rosa-alaranjado-pastel. Tudo mesmo. As nuvens, o reflexo delas no mar, o tom de pele do surfista gato. Normalmente só quem fica para ver essa parte são os pós-graduados em pôr do sol. Se liga nos pescadores: todos lá. E o negócio fica tão, mas tão lindo que até eles que nasceram na praia catam o celular e tiram foto.
Aí, quando você pensar que era isso, levanta, sacode a canga e começa a dar tapinhas na bunda para tirar a areia do short, você tem que fazer o seguinte: olha um pouco mais para cima e veja quem chegou. A lua, meu rei. Como se não bastasse a explosão cor de rosa ao seu redor, a lua já está ali, ligadona, brilhando. Mas um brilho que ainda não aparece direito na foto. Então, nem perca seu tempo tentando dar zoom e fotografar a lua, que isso não funciona nunca. Nem no lusco-fusco, nem à noite, nem com dica. A gente veio aqui para falar de sol. Quer fotografar a lua, procure outra pessoa para te ajudar. Porque eu posso ser cafona mas não sou besta.

6 de jun. de 2017

Exumação de amizade

Ajudar a encontrar pessoas que você não vê há um tempão é uma das melhores partes das redes sociais. Mas também um dos maiores desserviços que elas trouxeram. Antes tudo era mais simples: você tinha amigos de infância, de escola, de faculdade, do trabalho, a vida andava, alguns permaneciam e a tropa ficava para trás. Evaporava da sua memória e abria espaço para ocorrências mais relevantes. Você até lembrava às vezes daquele cara engraçado da sua sala, ficava sabendo num churrasco por onde anda aquela colega de trabalho. Mas a nostalgia estava muito mais para curiosidade do que para saudade. O tempo tinha uma espécie de sabedoria aleatória que simplesmente expelia essa turma da linha da sua vida, sem que você precisasse escolher quem. Só acontecia.
Agora não tem mais essa. Um dia chega um convite na sua rede social. Pelo nome, você não sabe quem é. Precisa clicar, ver fotos, dar zoom para trazer o ser que tinha ficado lá longe. Dois ou três amigos em comum são o único indício de que você um dia conheceu aquela pessoa. Às vezes ela nem mudou tanto assim mas sua memória seletiva tinha feito esse favor para você. A educação manda você aceitar o convite. E, a partir daí, tudo o que o algorítimo te obriga a ver só confirma que a criatura deveria ter ficado lá mesmo onde estava. Você tenta deixar aquele campo infértil ali, sem interagir, sem se manifestar. Mas um dia a oferenda que Iemanjá devolveu decide expressar seu desagrado sobre algo que você postou. Você responde ao que claramente foi uma provocação, mas tudo bem, você bem que gosta de provocações e de opiniões diferentes. O ente não querido não entende sua resposta. Você precisa esclarecer que estava sendo irônica. Com preguiça. Contrariada. Porque precisar explicar ironia, convenhamos. Entre esta amizade e a piada, você não tem a menor dúvida do que prefere perder. Mas o organismo que nem deveria mais constar não entende de novo. Você tenta outra vez e, sabe o que mais? Chega de redes sociais.
Dias depois você faz um novo login e vê que o indivíduo dos confins ainda tentou continuar a discussão que você não precisava ter. O jeito é não mover um músculo e torcer para que seja um fato isolado. Mas o que nunca fez falta volta e faz você passar por aborrecimentos que, pela ordem natural das coisas, tinha tudo para evitar.
Deixar gente que você mal lembra para lá. Eu gostaria de ter esse simples direito de volta.

18 de jan. de 2017

Era mais fácil nos anos 80

Depois de passar os olhos pelo Canal Viva, não pude deixar de pensar no seguinte diálogo. Telefone toca, Kid Vinil atende.
- Kid Vinil?
- Sim, quem é?
- Você não me conhece. Eu estou selecionando algumas músicas para a trilha sonora da nova novela das 6 na Globo. Está faltando alguma coisa marcante para a abertura e pensamos em encomendar esse tema para a sua banda Magazine.
- Sei... E qual é o nome da novela?
- A Gata Comeu.
- Beleza. Você precisa para quando?
- Ah, você sabe... O mais rápido possível. Quer que eu conte um pouco da trama para você se inspirar?
- Não, não precisa. É “A Gata Comeu”, né?
- Isso.
- Ok. A gente liga para você quando estiver pronta. Abraço.
Kid desliga o telefone, pega o Dicionário Aurélio de capa dura na estante. Abre na página 350. Procura a palavra Comer. Coloca um papel na máquina e escreve:
Ela comeu meu coração / Trincou, mordeu, mastigou, engoliu, comeu... comeu / Ela comeu meu coração / Marcou, moeu, triturou, deglutiu, comeu... comeu...
Dias depois, passa na emissora para retirar seu cheque nominal. Fim.